Às Margens do Adeus


 

Às Margens do Adeus


Parti da minha terra, o peito em brasa,

os olhos marejados de saudade;

deixei pra trás a vila, a antiga casa,

e a dor me rasga em plena mocidade.


O céu que me acolheu na juventude

tornou-se uma paisagem, fria e escassa;

meu peito sangra em sua inquieta atitude,

de amar o chão que aos poucos se desfaça.


Nas ruas onde andei de pés descalços,

escuto o eco das manhãs passadas;

carrego, sob a pele e falsos sorrisos,

cicatrizes de dores abafadas.


No vento forte, o cheiro dos trigais,

das colinas e campos e do rio;

um nó profundo prende-me aos locais

que agora deixo em exílio sombrio.


Minha mãe, junto ao umbral, me dá seu beijo,

meu pai, com rosto austero e olhos vazios;

o mundo inteiro em mim perdeu seu ensejo,

e a fé de volta agora é pó de estios.


Se volto? Ah, quem dirá o triste fado?

Quem sabe o mar me leva, ou me renega.

A pátria que me chama em tom calado

é sonho ou pranto em que minh’alma navega?


Os braços dos amigos, companheiros,

que um dia me acolheram com carinho,

hoje se fazem vultos passageiros,

flores que eu deixo a murchar no caminho.


Em cada rua, praça, pedra e canto,

há risos e lamentos adormecidos;

a dor de ver que o tempo, em sombra e encanto,

apagará também os tempos idos.


E os cantos que ecoavam ao luar,

as vozes das crianças e das festas?

Deixei-os, para o pranto retomar,

nas dores que o destino me empresta.


Partir é ter a alma retalhada,

é ver a juventude em despedida;

é ser estrangeiro à própria estrada,

levando uma fé já enfraquecida.


Ah, meu chão, que aos poucos se dilui

nas brumas deste incerto amanhecer,

será que em outras terras sobrevivo,

ou morro por não ter o que perder?


E assim, a cada passo sou passado,

uma sombra a buscar seu lar distante;

no peito, o grito mudo e sufocado,

faz-me um rosto a mais — só um emigrante.